Protestos, blindagem e o desdém de quem deveria ouvir

Ontem o Brasil foi palco de mais uma onda de protestos. Do Sul ao Nordeste, vozes se levantaram contra o que já vem sendo chamado de “PEC da blindagem”, essa proposta que cria mecanismos para proteger parlamentares de processos judiciais. No Recife, milhares de pessoas foram às ruas, numa segunda-feira de calor escaldante, em pleno centro da cidade. Famílias, estudantes, trabalhadores todos unidos por um mesmo grito: basta de privilégios, basta de políticos que se colocam acima da lei.

Mas o que chama atenção, mais do que o ato popular, é o desdém de alguns parlamentares diante da reação das ruas. O relator da proposta, Paulinho da Força, minimizou os protestos, como se a voz do povo fosse mero incômodo, barulho passageiro, algo que se esquece no dia seguinte. Esse comportamento revela o abismo que separa representantes e representados. Enquanto a população grita contra a impunidade, a Câmara insiste em criar mecanismos de autoproteção.

Interessante notar que, diante da pressão popular, alguns deputados começam agora a pedir desculpas, a se dizer arrependidos por ter votado a favor da proposta. É o jogo de cena tradicional da política brasileira: primeiro o voto, depois a justificativa, e quando o povo reage, surge o arrependimento. Mas de que vale pedir perdão depois que se ajuda a abrir a porta da impunidade? De que vale uma retratação quando a mensagem inicial foi clara: proteger a classe política, e não o cidadão comum?

O Recife mostrou ontem, assim como outras capitais, que a paciência da população está por um fio. O povo já entendeu que não se trata apenas de mais uma votação em Brasília, mas sim de um pacto silencioso entre elites políticas para garantir que erros não tenham consequências. A sociedade já percebeu que a tal PEC não é sobre democracia ou liberdade, mas sobre autopreservação.

O desdém de Paulinho da Força é, em si, simbólico: é o retrato de uma classe política que se afastou da realidade e não enxerga mais as ruas. E os pedidos de perdão de outros deputados soam como tentativa de salvar a própria imagem, quando o estrago já está feito.

Resta saber se os protestos de ontem serão apenas mais um capítulo de indignação passageira ou se representarão, de fato, o início de uma reação mais firme da sociedade. Porque a história do Brasil nos mostra que, sem pressão constante, sem a cobrança permanente, o poder em Brasília continuará a se blindar, e o povo continuará a pagar a conta.