Recife amanheceu nesta segunda-feira em compasso de caos. Não foi a chuva, não foi o trânsito já natural do cotidiano. O que parou a cidade foram mais uma vez os protestos dos carroceiros. Em Olinda e em diversos bairros recifenses, ruas e avenidas ficaram fechadas por horas, segundo a própria CTTU. Foram pelo menos seis pontos de interdição simultânea. Coincidência? Difícil acreditar. O que se vê é uma articulação orquestrada, que tem, sem dúvida, alguém por trás dando força e fôlego a esse movimento.
A pauta é conhecida: o fim da tração animal no Recife. A lei que proíbe esse tipo de prática já existe, foi aprovada, e precisa ser cumprida. Mas quando se mexe em estruturas antigas, em interesses enraizados, a reação não tarda. E ela veio mais uma vez nas ruas, travando a vida de quem só queria trabalhar, estudar, chegar em casa ou cumprir a rotina.
O argumento dos carroceiros é a sobrevivência. “Como vamos trabalhar?”, perguntam. Mas e o outro lado? O lado silencioso dos animais que diariamente são maltratados, espancados, submetidos ao sol forte, sem água, sem alimento adequado, arrastando cargas desumanas? Quem fala por eles? Quem defende que Recife, uma capital que tenta se modernizar, não pode mais conviver com cavalos exaustos tombando em plena via pública?
A verdade é que essa discussão não é de hoje, e nem é só do Recife. Cidades de todo o Brasil vêm abolindo a tração animal. O mundo caminha para soluções sustentáveis, tecnológicas, mais humanas. E aqui ainda se insiste em manter vivo um modelo ultrapassado, cruel e que só gera mais desigualdade e sofrimento.
É evidente que há um vácuo de política pública. É preciso oferecer alternativas de renda para esses trabalhadores, sim. É obrigação do poder público planejar uma transição que garanta dignidade às famílias que dependem da carroça. Mas uma coisa não pode ser esquecida: a lei precisa ser cumprida. Não se pode abrir mão da proteção aos animais em nome da desordem urbana.
E chama atenção a estratégia. Os protestos ocorrem de forma simultânea, fechando vias estratégicas, como se alguém estivesse coordenando cada passo. Isso deixa claro que a questão vai além do grito de um grupo de carroceiros: tem mão invisível mexendo os pauzinhos. Interesses políticos? Econômicos? Difícil acreditar que seja apenas um movimento espontâneo.
Enquanto isso, quem paga a conta é a população. Motoristas presos em engarrafamentos quilométricos, ônibus parados, ambulâncias em dificuldade de passagem. Mais uma vez, o cidadão comum, que nada tem a ver com esse embate, é refém da falta de diálogo, da demora das autoridades em agir e da radicalização de um setor que se recusa a aceitar a realidade dos novos tempos.
Recife precisa avançar. Precisa proteger os animais. Precisa também cuidar das pessoas que sempre viveram da tração animal, oferecendo formação, alternativas e inserção no mercado de trabalho. Mas não pode mais viver sob a lógica de que o protesto vale tudo, até paralisar uma capital inteira.
A cidade clama por ordem, por firmeza e por soluções. Porque, do jeito que está, a lei não anda, o trânsito não anda, e quem sofre é sempre a mesma figura: o recifense comum.