A intolerância deixou de ser um fenômeno pontual e se transformou em um traço marcante do nosso tempo. O caso recente no Recife mostra com clareza o estágio em que chegamos: um médico, alguém que jurou salvar vidas, comemorando publicamente a morte de um ativista americano. Isso não é apenas um gesto isolado, é um sintoma de uma doença social que corrói valores básicos da civilização: empatia, compaixão e respeito.
Quando um profissional da saúde celebra a morte, estamos diante de uma inversão ética alarmante. E o que mais preocupa é a normalização desse tipo de postura. Porque, de repente, passa a ser “aceitável” vibrar com a dor do outro, rir do sofrimento alheio, transformar a vida em objeto descartável.
Essa lógica, infelizmente, não é novidade na história da humanidade. O Brasil já deu provas amargas de como a intolerância molda tragédias. Basta lembrar o período da ditadura militar, quando quem ousava pensar diferente era perseguido, torturado, morto ou exilado. Mais atrás, a escravidão um dos capítulos mais vergonhosos do nosso país foi sustentada durante séculos justamente pela incapacidade de reconhecer o outro como igual, pela intolerância transformada em lei.
No mundo, a lista é ainda mais extensa e dolorosa. O Holocausto, símbolo máximo do ódio e da intolerância, mostrou até onde pode chegar uma sociedade que desumaniza o próximo. O apartheid na África do Sul institucionalizou a segregação racial. Guerras religiosas na Europa e no Oriente Médio deixaram rastros de sangue que ecoam até hoje. Cada exemplo histórico mostra que a intolerância não nasce do nada: ela é cultivada, alimentada, legitimada até se tornar parte do cotidiano.
E é exatamente isso que vemos se repetir, em menor ou maior escala, na atualidade. No Brasil de hoje, basta ligar a televisão ou abrir uma rede social: líderes políticos inflamam suas bases com discursos de ódio; pregadores transformam templos em palanques de exclusão; cidadãos comuns usam a internet para destilar raiva contra quem pensa diferente. A intolerância virou moeda política, espetáculo midiático e entretenimento digital.
O mais grave é que não aprendemos com a história. Ao contrário: estamos repetindo seus piores erros. Quando um médico vibra com a morte, quando pessoas aplaudem linchamentos virtuais e físicos, quando partidos e líderes exploram o rancor como estratégia, estamos pavimentando a estrada que já levou o mundo a tragédias irreparáveis.
O Recife deu um triste exemplo, mas o alerta é global. Se não retomarmos o caminho do diálogo, da tolerância e do respeito, corremos o risco de legitimar a barbárie. O Brasil precisa escolher se quer ser parte da solução ou se continuará refém da raiva.
A humanidade já mostrou do que é capaz quando a intolerância se torna lei. O desafio agora é provar que aprendemos alguma coisa com o passado. Porque um país que comemora a morte não é civilizado. E um mundo que vive do ódio não tem futuro.


