Nas asas da vergonha: o Brasil oficial e seus voos de elite

Enquanto o cidadão comum enfrenta filas, cancelamentos e tarifas absurdas nas companhias aéreas, uma elite da burocracia brasileira sobrevoa, impunemente e com requintes de luxo, o bom senso e a austeridade. É a farra dos jatinhos da Força Aérea Brasileira — voos da FAB, pagos com o dinheiro do contribuinte, que viraram, sem cerimônia, uma espécie de Uber aéreo exclusivo dos poderosos.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, é um dos exemplos mais simbólicos do que se tornou essa prática. Desde que assumiu a pasta, não se tem notícia de um único voo de carreira. Para qualquer compromisso — do mais importante ao absolutamente protocolar —, lá está um avião da FAB à disposição. É Brasília no céu, em sua mais pura essência: ostentação travestida de institucionalidade.

E Lewandowski está longe de ser um ponto fora da curva. Ministros, presidentes de estatais, chefes de gabinete e até figuras com funções meramente simbólicas têm feito da frota aérea da FAB um apêndice de seus gabinetes. Os aviões que deveriam servir à defesa nacional, ao atendimento de emergências ou ao deslocamento de autoridades em situações excepcionais viraram ferramentas de conforto e vaidade.

É o retrato de um Brasil que vive duas realidades distintas. A da população, que precisa se humilhar para conseguir um atendimento de saúde, um benefício do INSS, uma passagem para visitar um parente em outra cidade. E a da elite política, que cruza os céus sem prestar contas, sem se importar com a imagem que transmite, sem sentir sequer o cheiro da classe econômica.

Há regras, claro. As normas da Aeronáutica preveem que voos da FAB sejam usados quando houver “motivo de segurança” ou “emergência”. Mas a interpretação dessas regras virou um terreno fértil para o jeitinho institucional. Reuniões corriqueiras, inaugurações de obras, eventos sociais — tudo, aparentemente, se encaixa como “motivo de Estado”.

A farra aérea não é nova, mas ganhou novos contornos neste governo, que se elegeu prometendo austeridade e reconstrução ética. O discurso era o da moralidade, da sensibilidade social, do Estado presente. O que vemos, no entanto, é a perpetuação de velhas práticas com nova maquiagem. Ninguém quer abrir mão do privilégio de sobrevoar os escândalos enquanto o povo rasteja nos problemas.

A pergunta que fica é: até quando? Até quando o contribuinte aceitará ser tratado como um financiador compulsório do conforto alheio? Até quando os jatos da FAB servirão mais aos caprichos pessoais do que ao interesse público?

Não é sobre o uso do avião — é sobre o abuso. É sobre o que isso revela de uma casta dirigente que se considera acima da realidade brasileira. O Brasil dos voos de carreira vive um atraso de pousos. O Brasil dos voos da FAB continua decolando com força total, sem turbulência, sem fiscalização e, o mais grave: sem vergonha.

Enquanto isso, o brasileiro segue preso ao chão.